sábado, 9 de outubro de 2010

Vegetação


 Não vivo. Apenas respiro descompassadamente enquanto os dias passam. Não vivo. Minha existência não passa de fortes contrações do diafragma.
 O que é isso? Por que isso? Tenho sonhos e pesadelos, pesadelos e sonhos, só pesadelos, não sei. Gosto deles, apesar de raramente dormir. Ou só me acostumei. Não sei.
 Mortos não sonham. Talvez eu não tenha morrido, talvez seja só a falta de horizonte no infinito. Se é que há o infinito. Não sei.
 Não sei se sou feliz em não saber ou infeliz por querer saber. Eu não sei de nada. Mas sei que seria preferível morrer de verdade que morrer em vida. Eu não suporto mais. Não, não suporto mais.
 Eu quero sumir, expirar, para aprender a respirar livremente, talvez contente com o que o mundo pode dar, que besteira, o mundo só oferece dor, dor e regra, dor e mais e mais e mais dor.
 Eu posso ouvir a satisfação nas vozes ao cochichar as desgraças acontecidas. Eu posso.
 Eu cheguei no limite. É eu tenho um limite. Eu que odeio limites. Cheguei no meu limite de viver. Morfina ajuda? Acho que nada ajuda mais. Acabou.
 Fim.
 Já posso ouvir a excitação nos cochichos.

À VOCÊ



Porque eu abraço e beijo o mundo,
é o que se faz com quem se gosta.
Por querer a felicidade de todos
esqueci a minha
e todos ficamos infelizes.
A escolha errada, sempre.
Eu não podia entender que o melhor era me afastar,
e agora não tenho mais seu ombro para chorar.
Você me entenderia, eu sei.
Só você confiava em mim como ninguém jamais pode.
Como é triste não poder te ouvir
falando para mim que tudo vai passar,
que um dia vão entender.
Não vão.
Mas você entenderia.
Você sempre entendia.
Ah! Me perdoa!
Me perdoa, eu não posso me perdoar.
Eu tenho mesmo que crescer?
Não posso sem você.
Não há força.
Não há herói.
Não há céu.
Me leva para você...
Entendo seu limite,
entenda o meu.

Vertigem


 É preciso morrer de vertigem, todos os dias. Mas isso não quer dizer que há renascimento. Vertigem. Caos. As luzes que brilham quando se fecha os olhos. Faíscas. Fogo. Vertigem.
 O arrepio do sopro, o calafrio. Tudo é sensação. Perdição. A emoção de perder-se sem se encontrar, a conformação de nunca poder se olhar. Contato. Necessidade do absurdo, mudo, frio, quase congelado, no tempo que não se teve, não se ateve. Infeliz.
 Submersão. Redenção a si, por si, por não poder ser que se é, por não querer ser que se quer, por não acreditar que se crê. Vontade, vontade, vontade. Fome de poder, de poder ser livre.
 Liberdade, liberdade, liberdade, liberdade de viver toda a fantasia vertiginosa da perdição na sensação das faíscas transformando em fogo o corpo. Corpo. Ardendo.
 Como um insulto cego que ecoa no abismo da vida que se tem, que se segue, que se atreve, leve, esculpida, frágil, quebradiça, reconstituível, segura, promíscua.
 Complexo paradoxal da transparência suja da alma inata, na oblíqua dissimulação do ser que se adapta a não ser. Vertigem. O túnel escuro do inimaginável. Sem luz. Penumbra.
 Perambula e entende o contexto do ser demente ser descontente em haver e contente em viver, ou suportar. Tentar. Enfrentar. A vertigem.




Saber



 Todos sabem onde dói. Em si e nos outros. Todos sabem onde há feridas abertas. Em si e nos outros.
 Eu sou toda ferida, toda dor. No corpo. E além do corpo. Sou toda tremores, tenho medo. Tenho em mim a convulsão - não convulsiva - de me esconder e me aninhar, no lugar que não é seguro, não é escuro. Vou me acabar.
 A realidade do desatino, do lixo, a hipocondriaca mania de me destruir me mantendo. A vontade delirante de sumir, sucumbir nos meus desentendimentos.
 É doce, é voraz, é mortal, intoxicante. A transparência opaca do ser irrelevante, da sujeira e do pó, do uivo cortante. A fraqueza de ser forte, e entregar-se de bandeja a própria sorte, sem medo verdadeiro da morte, mas temerante da extinção da memória.
 Um sonho. Uma história. Sem alguém para ler. Sem alguém para contar.
 A tristeza de viver no submundo que é o mundo. A tristeza com risos, sem lágrimas. Mais vazia que a solidão. A insignificância de ter que obedecer e seguir, são regras sem confissões. A busca pela exceção.
 Medo, medo, medo.
 Escuridão.
 Não sei, não sei de nada, mas sei que todos sabem. cada um com a sua dor, que parece ser a maior do mundo, cada um com seu peso, com seu gosto, amargo e profundo.
 Todos sabem.


Morri.



 Há tempos não fazia um dia tão lindo, céu nublado, chuva forte, vento frio. Há dias que não lia com tanto afinco, há dias que não mergulhava nas palavras e delas não saia mais.
 Sentada, no banco gelado e com o vento no rosto, Clarice Lispector roubou minha alma, meus suspiros, meus pensamentos. Roubou-me o tempo e o espaço.
 Não sabia mais meu nome. Não sabia mais onde estava, não sabia mais o que queria, não sentia mais o mundo.
 Era triste e solitário, era melancolico. E melancolia corrói. Era simples, era puro, era compreensível. Era todo sabor mesmo que fosse acre, era todo sentidos mesmo me entorpecendo, era todo barulho mesmo que o silêncio, o silêncio...de tão leve pesava.
 O devaneio para além do mistério, mistério de nós mesmos, mistério da dignidade indigna de ser "sujeita a julgamento".
 De repente voltou-me a noite, as árvores, as pessoas no ponto de ônibus, os carros, e meu ônibus que passou e me deixou para trás. Tudo bem. Clarice estava comigo, em meu peito, em minha mente, na alma. Tocava-me.
 Peguei outro ônibus, andei, na companhia de um pequenino bassé que me seguia. A noite sem lua. A noite sem Ixtlan.